Blog do escritor Ferréz

Rio de Sangue (crônica)


Rio de Sangue (Crônica) Ferréz

Fique a vontade para entrar no mundo adulto da violência gratuita, do grande plano de manipulação que joga contra o revoltado e tão cansado povo brasileiro, da covardia sem limites, do esfacelamento de famílias, do rio de sangue temperado com baixa estima, e das vielas cheias de corpos cansados demais para entender a difícil engrenagem de uma sociedade fantoche..
Veja em primeira mão, os hematomas, os meninos que apanham do soldado que é pago para dar segurança e proteção ao povo espancado, soldado que seduz meninas de 12 anos nas portas dos colégios, soldados sustentado pelo voto mal dado, pela fila quilométrica na hora de tirar o título, um grande círculo vicioso, que alimenta a cadeia de parasitas que a própria justiça nunca alcançará.
Deus daí a morte lenta para os que tanto chupam, para os que voltam de tempos em tempos para chupar mais, a profecia da safadeza deslavada renasce de novo, o antinome da besta fera, ele voltou, fez obras e roubou, mas voltou, não culpai o meu pai esse povo que não sabe votar, esse povo que elegeu a esposa do incompetente herege.
Eu quero ter o belo prazer subversivo de cantar meu rap, eu quero ter o direito arbitrário de escrever minha literatura marginal, eu quero ser preso, mas por porte ilegal de inteligência, antigamente quilombos hoje periferia, o zumbi zumbizando a elite mesquinha, Záfrica Brasil um só por todos nós, somos monjolos, somos branquindiafros, somos Clãnordestino, a peste negra, somos Racionais, somos Negro Drama, e minha posse é mente zulu e vivemos numa Estação chamada hip-hop.
Raciocino a luz de velas, leitura feita nas proximidades do córrego, pequena biblioteca cheia de livros cancerígenas no quartinho da escola, o grêmio que é massacrado pela diretora que veio do outro lado da ponte, que não conhece uma viela depois dos muros da escola, o exemplo do estado começa sedo, pois eles não suportam isso, eles só suportam e querem o controle e contenção.
O mesmo cd que passa sertanejo, axé, pagode, também passa Rap, o mesmo playback, só que o nosso é mal visto, conscientizar é pecar, esclarecer é errado, temos que valorizar somente o entretenimento, e tudo isso bem controlado, fiscalizado, apropriado se for o caso, o mercado da falsa música, do falso artista, do falso jornalismo é o maior veículo anestesiante que existe.
As empresas de motoboys estavam a mil, cada motoqueiro ganhava um salário que compensava o risco, assim como também foram as lotações, agora vai começar o cadastramento, o controle e a verdade é que o Estado está organizado para não deixar que a elite perca poder econômico e político, estão todos preparados para boicotar qualquer tentativa de crescimento da classe tida por eles como mais baixa, que na real somos nós.
Somos manobrados, de uma religião até o time preferido, e só inteligência e a criatividade para nos manter vivos em primeira instancia, e depois proliferando o grande plano de controle que estamos submetidos, nos tiraram tudo, e hoje quando nos sentamos em frente a uma praça nos sentimos culpados, parados, devíamos estar trabalhando, produzindo, lutando, comprando, é para isso que servimos, recarga do capitalismo.
São centenas de viúvas, chorando lágrima de sangue, dentro dos barracos, enquanto seus filhos saem às ruas para serem presos e mortos, o jogo é claro, quem ganha com a vida criminal, é o estado, que super fatura os custos da cadeia, que paga salário de juiz, acerto para os delegados, e um cachê básico para os caixões continuarem descendo nas covas periféricas.
Tanto escândalo pela morte de alguns da elite, e o Sabotage, quem investigou? O que aconteceu?
Dona Maria não tem os quinze centavos para o pão, mas mantém a bituca de cigarro entre os dedos, a fumaça sobe, o pulmão fica preto e as empresas milionárias, ela sente um alívio, algo se acalma dentro dela, lá fora rios de sangue na viela.
Nos dias das mães seu filho vai lhe dar um boletim de ocorrência assinado de presente, do outro lado da ponte muitos vão ter um futuro, vão ficar com o cabelo branco, formados nas faculdades, também usando as mesmas drogas, só que podendo pagar, reduzindo o salário dos funcionários dá até para esquiar no exterior.
Nesses o fantasma da droga não fará tanto estrago, um entre o começo do filme no cinema, e o outro nas vielas da vida, um bem arrumado todo engravatado, olhando no espelho e vendo o filho tão elogiado, o outro vendo roupas no varal, sangrando os joelhos nos cacos de vidros, um dando um par de passagens para a disneylândia de presente para os filhos, e o outro rezando por dias melhores que certamente não virão.
A campanha da televisão só foca o pobre, o cara de touca, nunca o playboy que gerência a plantação de cocaína para o pai que nesse mês prometeu não faltar a assembléia, afinal negociou a aprovação da nova lei para aqueles que bancaram sua campanha, somos todos prisioneiros de um mundo irreal.
Os tidos revolucionários que conheci, se deram bem resolveram seus problemas, alguns até foram eleitos, falam nos palanques com mais energia, e citam exemplos de sofrimento que eu mesmo passo todos os dias, só que depois sentam nas mesmas cadeiras, participam das mesmas negociações e quem acreditou, quem militou hoje passa fome, não tem onde morar, e quando ficar doente vai ser internado no mesmo hospital que todo pobre vai no final, no cemitério mais perto.
Não temos medo nem raiva do poder, mas temos nojo "dessa" forma de poder, a forma que o jeitinho brasileiro consagrou e hoje faz milhões de pessoas choraram lágrimas de sangue, a cada trabalhador sem o registro na carteira, que não leva mais o alimento para dentro de casa, que não mantém mais o respeito dos próprios filhos, que acha no álcool uma forma de fugir do pesadelo que virou sua vida, o ultimo dia em que foi feliz foi quando pegou aquele salário pela ultima vez.
Ninguém da estágio para periférico, só membro da Uniban tem chance no mercado, aqui é a mãe chorando, implorando pro traficante para o filho segurar a pistola.
Foi com o nome de Jesus que muitos compraram triplex, e na tv em preto e branco eu vi a vitória da seleção mais bonita do mundo, meu orgulho encheu, meu prato não, enquanto for assim minha facção é periférica, e todos tem que se conformar com a paz, mas só atrás dos muros autos, não é pelas mortes de pobres nos morros que a elite ta reclamando, que as apresentadoras loiras tão chorando, não é pelo preto, nem pelo pobre, é por seus próprios rabos, a coisa desceu pro asfalto, o sangue chegou perto, quantos avisos, quantos pedidos de socorro, mas a criança cresceu, sem nada, nada.
Além dos condomínios existe vida real, há muito tempo falamos, ninguém ouviu, filmes são vistos, livros são lidos, discos foram ouvidos, mas não entenderam ainda o que queremos. Respeito. Só respeito como seres humanos, ponham muros, subam com tropas, cerquem discriminem, invadam os barracos, ameacem as crianças com a farda, o começo do ritmo frenético está começando, afinal vocês consomem muita droga e alguém tem que vender, o fuzil no auto do morro é para proteger seu vício, o dinheiro gerado vira arma para promover sua próxima festa, morram com a isca que vocês jogaram, é só pena que muitos inocentes também paguem, e isso é lamentável, gente que nunca usou nada, gente que tava só voltando pra casa.
A guerra é assim, leva um monte de alma inocente, deixa um monte de lágrimas formar um rio na periferia, pena que os culpados não chega sequer a ouvir o barulho dos tiros.

Um comentário:

Jairo disse...

As ondas do oceano estão revoltas por hoje, aqui na praia da corsário, em Salvador,nenhum barco pirata chega com a violência das marés. Mas viro a face para o asfalto, meus pés sentem um calor enorme nesse betume endurecido.Espalham-se pelas pistas pequenos corpos vendendo seu sexo, traficando balas de coca, realizando malabarismos para encantar uma platéia escondida por muros de vidro-fumê. - Me dá um trocado tio.-O boquete só custa 5 real-. No fim da esquina, caídos nas calçadas, a pedra incendeia os neurônios numa breve anestesia.Parado! Parado! Estou no camburão, esse pequeno tumbeiro urbano. Acusação: Andava em lugar suspeito.Veredicto: Estrada da desova.-Porque!? -Porque!? Minha vida, acho que vai ser subtraída, esse papel consigo arremessar da janela esperando uma(várias) denúncias...Literatura marginal, uma poética para nos desviciar do cotidiano atroz, bem como multiplicar estes fragmentos que escapam das frestas da arbitrariedade social!