Blog do escritor Ferréz

Muro Cinza (Ferréz)


Muro Cinza.

Quando Ellen. G White iniciou sue ministério que daria origem aos Adventistas do Sétimo dia, ela não imaginaria o muro cinza.
São Paulo, Capão Redondo, em 1914 chegava à região um pastor adventista chamado John Lipke e um obreiro de nacionalidade Russo-Alemã chamado John Böehn.
Em abril de 1915 John Böehn fechou negócio com os irmãos Pantaleão e Antônio Theisen, comprando uma fazenda com 300 acres, por 20 contos de réis em uma das colinas do Capão Redondo.
Em 1925 eles importaram dos Estados Unidos algumas cabeças de gado holteinfrisien (gado Holandês) das fazendas Carnation, até 1984 o rebanho de gado holandês permaneceu na fazenda do Instituto Adventista de Ensino tendo participado de várias de competições com dezenas de premiações e recordes nacionais na produção de leite, todo o I.A.E. era cercado por cercas simples, de arame.
Enquanto isso favelas iam se formando em volta da área, barracos iam sendo construídos, terrenos cercados e vendidos a terceiros, em sua maioria, vindo da Bahia, Ceará, Piauí, Minas Gerais e várias outras regiões, além de pessoas que pela valorização dos lugares onde moravam, foram sendo jogadas para o bairro que começava a tomar forma.
A Light and Power Co instalou força e luz no Capão, a pedido do colégio Adventista que até então vinha produzindo sua energia através de dínamo instalado em açudes.
Alguns meses depois, era cometido o primeiro assassinato no bairro Jardim Comercial, por uma discussão de rede elétrica, um morador matou o outro a facadas na frente do recém colocado poste de madeira.
Em 1969 é implantada a primeira faculdade no bairro do Capão, o curso de enfermagem no Instituto Adventista de Ensino.
Alguns anos depois o hospital público Piratininga é conhecido por servir o famoso “chazinho da meia noite”, onde segundo pacientes, o líquido acabava com a chance de recuperação, e causava o óbito.
Shunji Nishimura nascido em Kioto, estudou no colégio adventista , fundador da maior fabricante de máquinas agriculas da América latina, a Jacto, em 1994 o governador de São Paulo conferiu-lhe o título de empresário do ano.
Fabinho, estudou na escola Adventista do Jardim Lilah e anos depois era conhecido como um dos maiores traficantes da região, morreu assassinado na rua onde nasceu.
A alguns metros do mesmo colégio, moradores são detidos pela polícia, eles fizeram um protesto por uma lombada, pois ouve um atropelamento de uma criança, a policial chegou, agrediu e prendeu alguns moradores.
Em 1997 a fundação do colégio Adventista Ellen G. White é a primeira escola secundária particular no Brasil a obter o certificado de qualidade ISSO 9000, enquanto isso uma chacina devasta o cotidiano do jardim Ângela, o sangue no bar dá arrepios a quem passa pelo local.
Em 1983 o I.A.E. teve 80% da área desapropriada pela municipalidade da cidade, hoje essa área chama-se Cohab Adventista.
Moradores de várias favelas foram retirados de seus lugares, perderam seus amigos, vizinhos e história, suas casas foram derrubadas e foram todos transferidos para a Cohab Adventista, ninguém escolheu sua casa, ninguém foi ouvido sobre a futura vizinhança e hoje o bairro que abriga os prédios é chamado de favela vertical, tem um grande problema de criminalidade e uso de drogas.
Falar que os Adventistas e os moradores cresceram com o bairro seria generosidade, afinal o bairro não cresceu, principalmente no que eles são especialistas, que é o ensino.
Se a informação e a cultura são tudo, porque onde tem a maior rede de ensino do mundo é um dos lugares mais violentos? Mais pobre? Mais desorganizado?
O muro cinza foi construído pelo I.A.E, tem mais de 200 metros de comprimento e 3 de altura, divide a rua dos Mutirantes do espaço Adventista.
Dentro do I.A.E. meus livros são lidos, mas hoje eu não posso entrar, só queria um daqueles bancos, com uma sombra para poder ler um pouco. O lugar parece a Europa, tem casas rústicas, ruas pequenas, bancos confortáveis em volta de árvores, parece o paraíso e tudo isso ao lado da minha casa.
Os moradores que não estudam no lugar, para levar seus filhos para brincar no pequeno espaço para crianças, pediam para o segurança, que às vezes deixava, depois cercaram o playgraund e proibiram a entrada.
Continuamos querendo entrar no paraíso e na portaria dizíamos que íamos a biblioteca, hoje essa desculpa não serve, pois eles falam que fecharam a biblioteca, para visitas.
Uma das mais modernas academias de ginástica está lá dentro,mas não para a senhora que tem problema de circulação.
A orquestra completa que eles tem, já pegou verbas, mas nunca se apresentou do outro lado do muro.
No muro cinza tem uma placa triste da prefeitura, nela está escrito que é proibido jogar lixo e entulho, informa o número do decreto para quem não sabe ler, para quem só passa pelo muro cinza.
Cachorro morto, resto de feira, móveis usados demais, todo tipo de lixo beira o muro, como se fosse uma vingança da população, de vez em quando um morador põe fogo em tudo e ficam manchas negras no muro cinza.
Alguém tenta pixar o muro, deixar uma assinatura, homens cinzas chegam e batem no pixador.
Logo após o muro começa a Cohab Adventista, as 3 casa seguintes ao muro também são cinzas, talvez seja uma tendência.
Uma senhora cata latinhas na extensão do muro, pisa num cachorro morto e apodrecido, esbraveja, que não agüenta mais aquela vida, quer ir para o céu logo, mal ela sabe que ele está do outro lado daquele muro cinza.
Ferréz é datilógrafo, vive com esposa e filha num pais chamado periferia.

2 comentários:

. disse...

Já tinha percebido isso antes, quando eu trabalhava na rua. Agora tenho certeza do que pensava, é tudo separado. Dizem que os adventistas não trabalham de sábado né? Queria que o mercado onde eu trampo fosse adventista. Abraços.

Pagina da Cultura disse...

Só para deixar um imenso parabéns por sua carreira maravilhosa.

Beijos,

Marisa Moura