Blog do escritor Ferréz

Vamos Brinca até quebrar

Vamos brincar até quebrar

Acordou cedo, gritou.
-Zica Maldita!
Lembrou de seu pai, como a maioria viveu a vida inteira sem a sua presença.
Num tinha café pra tomar de manhã, mas já vai ouvindo um monte do irmão mais velho.
- Cê tá vacilando de madrugada, você sabe que os P.M. sobe o gás.
- Eu sei, mas eu voltei sedo.
- Então vamos sumariar.
- Quantos de nóis eles acha que vai matar?
- Sei lá, seja P.M. ou civil, do movimento ou honesto, é tudo verme, só dá milho a vida inteira, depois faz trairagem com os irmão.
- Mil grau, sei que tá frenético, qual que é a urucubaca?
- Sou residente, sou residente do Capão.
Quem lhe deu um sorriso hoje, talvez alguém de longe, uma mina que ele viu igual a uma atriz de novela e quando chegou ao entardecer ele voltou pra rotina.
A mina que tanto amava estava grávida, duvidou que era seu, discussões e finalmente uma noite de amor, a ultima.
Cinco tiros.
Embaixo do lençol branco havia sonhos, ilusões, perguntas sem resposta.
Mas o repórter policial só vê ali mais uma manchete sensacionalista, só pensa no Ibope, em vencer a cópia da outra emissora, prá pobre a muito ele diz: Só tem glória quando o caixão desce e o sofrimento para.
Agora embaixo do lençol branco só está um corpo, que vira e mexe recebe flashs, toda a glória que sonhou em vida, ele tem na morte, finalmente vai sair no jornal, é alguém importante.
Em baixo da terra fica o final da agenda da vida.
Vão transar, vão gostar, sem camisinha, periferia aumenta, mas esse tipo de matéria não interessa.
Sem planejamento do estado o feto agüenta menos, e pães são usados por milhares de pais de famílias para substituir o almoço e janta.
Rapaz, São Paulo é a terra prometida, rapaz, hoje somos suicidas.
E o irmão dá um longo abraço e diz mais uma vez pra ter cuidado, tá indo pro centro, servir os patrões que pagam mal e alimentam a miséria.
O fim é sangrento, o começo nem comento, talvez uma pitada, talvez um tapa na cara, quem sabe é porque viveu, o irmã fica assim, dentro do buzão com uma pesada preocupação.
E pior que a bala perdida é envelhecer sem expectativa.
Pensou o que? Que bandido enche ônibus?
Não existe dor dividida, a dor é minha e da minha família, ele pensa e sente muita falta do pai.
Hoje todos os sonhos, virarão comentários maldosos perante os pés do finado.
Uma amiga disse que do auto do avião somos todos parecidos, somos luzes e só.
Luzes simplesmente, nem barraco, nem prédio, só luzes, mas aqui desse lado do mapa sempre tem uma luz a menos.
Firme e forte, vivão e vivendo, batendo e não correndo, se é trabalhadô vai ser humilhado, se é correria vai ser arrebentado.
- ah! tí fudê prá lá, nem acordei e você já falando de polícia, deixa quieto. Era o que ele queria falar, mas quando o irmão abria a boca ele respeitava, pois sabia o tanto que ele se humilhou para os outros para trazer o sustento pra dentro de casa.
Quando chega na rua, nada de novidade, casas grudadas uma a outra, pessoas presas por grades que elas mesmas colocaram, sujeira no asfalto e poluição na mente de todos os habitantes, ele sabe que no final sua importância é pelo emprego que teria, mas está com o baseado no bolso e num quer mais pensar em nada, vai pegar uma brisa, penso no bebê, pensa como ele vai ser, talvez sua cara, talvez sua cor, ai tromba um nóia.
- Tem um real?
- Caraí, nem cumprimenta e já vem com essa porra de 1 real?
- Desculpa aí, mas tem não? E soltou um sorriso banguela.
- Não.
- Então responde pra mim um coisa.
- O que?
- Lembra do Vadão?
- Vadão...aquele vacilão que eu arrebentei lá no samba?
- É, ele mandou isso aqui de presente pra você.
Ainda viu o revólver reluzente, ainda ouviu um relâmpago no céu, ou seria o barulho da arma, que foi comprada por quem paga imposto, que é mantida pela elite que não distribui a renda, e que é municiada pelos políticos desse pais. E finalmente disparada por um igual ao alvo.
Ele não teve o que falar, deu um toque de mão na vida e se despediu, saiu com os olhos cheios de água sentimental.
O irmão chegou aos pés do corpo, conselhos vazios, memórias de criança, uma lágrima para cada lembrança.
O sistema planta uma vida medíocre, para colher corpo no chão
Não é jardins, é jardim comercial, jardim Ângela, jardim das rosas, os meninos monstros que não tem compaixão, que são vistos com tarja preta, mas só queriam ter um brinquedo na infância.
O sistema então num belo dia, pega toda uma população, brinca, brinca e depois joga fora.

15/2/05texto feito para a revista 2005

Um comentário:

Unknown disse...

Caralho!!!!!! Foda! Ainda não consegui encontrar o Capão Pecado. Queria comprá-lo antes de ir embora. Vou estar em SP na semana que vem, se vc tiver alguma indicação de onde posso encontrá-lo, agradeço. Paz!